Recursos Didáticos - Filmes: Não olhe para cima


Olás,

Hoje não seria um dia para a indicação de filmes, entretanto, não conseguirei deixar de me manifestar sobre o "Não olhe para cima". Muitos elogios na mídia, grupos de colegas, algumas críticas pesadas, comentários fazendo referência à situação brasileira atual... resolvi assistir. Esse é, portanto, o 49º filme indicado.
Trata-se de um filme americano e, sim, não foge a essas características, mas faz uma crítica desse modelo e isso me parece claro em vários momentos do filme. Segundo, não traz um final mágico mítico ou carismático, mas sim coloca a ciência como a que tem consciência da sua limitação de convencimento e que, vendo não haver mais possibilidades se resigna. Na verdade, fica claro que isso não é o propósito da ciência, mas sim o do debate entre pares e que ela não está preparada para o encontro com o público. O filme termina com a família do personagem principal e dois outros cientistas falando sobre amenidades para tentar contornar o sofrimento, o medo, o desespero.


Outra questão que creio ser marcante e o "mais do mesmo" também se encontra aí, embora de uma forma muito sarcástica e ácida: nós somos governados por pessoas despreparadas e nós achamos que o fato de alguém ocupar um alto posto ou ser indicado para tal significa necessariamente que a pessoa teria qualificação para tanto. Isso aparece em inúmeros momentos ao falar sobre o governo e também sobre o Estado. Talvez o mais óbvio: você pode, inclusive, dizer que não gosta de política, mas tudo passa pela política e a escolha dos representantes impacta em todos os momentos e sentidos da sua existência, dentro e fora da sociedade. A apatia política, a alienação, o desinteresse, o interesse mal compreendido, a ignorância, tudo num único pacote.
Entre tantos outros elementos, chama a atenção o despreparo de todos para situações de crises, a falta de ética e de empatia (não escondidas, mas escancaradas e o fascismo representado de modo colossal na figura da presidenta e seu filho). Destaco também a tentativa de desqualificar a cientista mulher em diversas cenas e isso é feito de modo mais direto pelo filho da presidenta: suas roupas, você se parece com um homem, usa remédios "controlados" ... Mas os outros personagens também fazem o mesmo: ela é tratada como histérica, louca, descontrolada, agressiva, feia, masculinizada, ... apenas por dizer o que as pessoas não querem ouvir. 
Já o professor não reage ao longo de todo filme, tem consciência do que se passa e se submete, usufrui e desfruta (ainda que de modo meio acanhado) da ignorância, finge haver tempo ou que as coisas não são o que realmente parecem, não quanto ao cometa, mas quanto à agência dos indivíduos. Ele sabe, mas ele não se coloca no enfrentamento, ele não defende a aluna, ele não se expõe porque não quer ser criticado, não quer o confronto. Logicamente, é "elogiado" por isso, tratado como alguém desejável ("sexy").
O uso da máquina do Estado para interesses particulares também é um elemento extremamente relevante e é por isso que a minha primeira opção para analisar sociologicamente o filme é valendo-me dos conceitos de Alexis de Tocqueville, em Da democracia na América, publicado originalmente em 1835 e 1840. Esse é um clássico relativamente conhecido e que é usado tanto nas disciplinas de Ciência Política quanto de Sociologia com bastante frequência.
Entretanto, a obra que mais incisivamente dialoga com o filme sem dúvida alguma é Society in America, de Harriet Martineau, publicado em 1837 e que será publicado esse ano (daqui a pouco) na primeira versão em português que traduzi e editorei.
Óbvio que irrita a versão imperialista e de supremacia dos EUA como referência mundial e isso diz muito sobre como os norte americanos (e muitos outros como milhões de brasileiros) se reconhecem na lógica mundial. Quem dita a agenda mundial? Quem barganha pela alternativas e as institucionaliza? Por outro lado, os interesses econômicos não estão limitados às fronteiras dos Estados Nação. Seria essa uma característica apenas norte americana? Talvez a crítica resida aí.
Em suma, o filme é bom. Não é uma história de uma nota só. Tem várias nuances, explicita uma teatralização da vida de modo muito claro e ridiculariza a visão de que conhecimento nos prepara para a crise ou o caos num sentido amplo, ao mesmo tempo em que mostra que sem conhecimento, sem crítica, sem análise densa, sem parâmetros científicos de fato (títulos e cargos não resolvem), somos reféns de interesses que circulam e nos atingem, mas sobre os quais não temos capacidade de ação ou consciência. 
Por fim, minha proposta é que ele também pela correlação menos óbvia: Como são tratadas as denúncias de abuso sexual e estupros de vulnerável? Como é tratado quem denuncia? Como o processo é estruturado e alimentado? Como o sistema funciona e qual a nossa capacidade de ação frente a ele?

SINOPSE:

Dois astrônomos medíocres descobrem que em poucos meses um meteorito destruirá o planeta Terra. A partir desse momento, eles devem alertar a humanidade por meio da imprensa sobre o perigo que se aproxima.


FICHA TÉCNICA:

Nome: Não olhe para cima

Nome original: Don’t Look Up

Cor: colorido

Origem: EUA

Ano de produção: 2021

Gênero: Comédia, Catástrofe

Duração: 145 minutos

Classificação: 16

Direção: Adam McKay

Roteirista: Adam McKay, David Sirota

Elenco: Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Cate Blanchett, Rob Morgan, Jonah Hill, Mark Rylance

Comentários

  1. achei o filme ótimo, as semelhanças todas encontram justificativas na reprodução das relações de poder Brasil e EUA.

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    1. De fato, o filme oportuniza uma reflexão importante e atual sobre a realidade brasileira.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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